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2022, o ano que não queremos repetir

As alterações climáticas já não são um conceito desconhecido para ninguém. Todos somos capazes de as ver e sentir. Em 2022 deram, mais uma vez, prova da sua existência. Seca extrema, incêndios, cheias e derrocadas: esta foi a realidade dos portugueses no ano que passou.

Durante o ano que passou, o país viveu uma grave seca, obrigando ao transporte de água por camiões-cisterna para abastecer algumas populações, no verão. Os incêndios florestais dizimaram uma parte nuclear da nossa floresta que, devido à seca extrema e às altas temperaturas, era fósforo à espera de ser aceso. Já em dezembro do ano passado, as cheias custaram 49 milhões de euros em prejuízos, só em Lisboa.

“Portugal está sujeito a um conjunto de fenómenos extremos: incêndios florestais, inundações, sismos, tsunamis, caso exista um sismo perto de Portugal ou perto da costa, rutura de barragens, ondas de calor e frio, secas e incêndios urbanos. Todos estes fenómenos causam riscos, nomeadamente riscos naturais, tecnológicos e sociais”, explica o professor doutor Pedro Simões, diretor do CTeSP em Riscos e Proteção Civil do Politécnico da Guarda e especialista em Proteção Civil.

“As consequências destas chuvadas até têm muito mais a ver com mau planeamento urbano e com a má gestão do território e ordenamento do território do que com a quantidade de chuva que cai”

Esses riscos, que de certa forma estão interligados, trazem alterações no modo de vida das pessoas, que, infelizmente, têm de se “habituar a lidar com eles de uma forma mais intensa”, uma vez que, afirma o especialista, tudo indica que irão continuar a acontecer. Para nos adaptarmos às alterações climáticas e mitigarmos os seus efeitos, é preciso pensar e aplicar soluções, não só ao nível comunitário e nacional, mas principalmente ao nível local. Neste aspeto, e quando isto acontece, são os municípios que devem continuar a dar uma resposta à população, devido à sua proximidade. Como? “Socorrendo, assistindo e apoiando as pessoas desalojadas, seja através do encaminhamento de emergência, da concessão de habitação temporária, seja através do fornecimento de alimentação, tanto a pessoas como a animais, seja através da prestação dos mais diversos cuidados e ajudas”, exemplificou Luísa Salgueiro, presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP).

Prevenir em vez de remediar

A lidar com as consequências estão, e estiveram sempre, as autarquias e, por isso, para evitarem que isto se continue a repetir, a ANMP defende que “o planeamento é fundamental”. Porque, conhecidas as vulnerabilidades específicas do território, torna-se altura de pensar em soluções. “A Proteção Civil de uma câmara municipal tem de ter um comportamento preventivo. Quando há um alerta do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, todos aqueles sítios que já deram problemas no passado têm de ser interditos”, aponta Maria José Roxo, geógrafa e investigadora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Nesta matéria, os municípios dispõem de planos municipais de emergência, que devem ser mantidos atualizados, e as autarquias devem estar alinhadas com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável definidos pelas Nações Unidas, em 2015, e assumidos por Portugal, em 2016, no sentido de todos contribuírem para uma sustentabilidade ambiental e de recursos.

Durante as cheias de dezembro, o país pôde ver o que acontece quando não preparamos o território para a ocorrência de fenómenos extremos: “As consequências destas chuvadas até têm muito mais a ver com mau planeamento urbano e com a má gestão do território e ordenamento do território do que com a quantidade de chuva que cai”, refere Maria José Roxo. “Aqueles quantitativos de precipitação podiam não ter aqueles efeitos se a cidade tivesse sido programada de outra maneira”.

Os municípios dispõem de planos municipais de emergência, que devem ser mantidos atualizados, e as autarquias devem estar alinhadas com os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável

Tornar as cidades resistentes a estes eventos passa por repensar a forma como estão planeadas. Maria José Roxo dá o exemplo das cidades-esponja, um modelo alternativo de organização urbana desenhado para absorver grandes cargas de água e evitar cheias através de espaços verdes e solos permeáveis. “Há várias soluções integradas dentro de uma cidade”, explica.

Outra forma de proteger os territórios passa pelos recursos hídricos e o solo fértil. “Estamos a utilizar mal estes recursos fundamentais” ao “irrigar culturas de forma absurda”, como a questão do olival intensivo, e a “destruir, contami-nar e impermeabilizar os nossos solos”.

A esta problemática juntam-se os incêndios. Como destroem a vegetação, o solo fica desprotegido e, quando chove muito, este fica sem capacidade de absorção de água. As partículas do solo desagregadas pela força da chuva são transportadas para o fundo das albufeiras, dando a ilusão de que as barragens estão cheias de água. “Os nossos grandes problemas vão ser gerir bem, e saber gerir bem, a água e o solo”, já que deles dependem a vegetação e a produtividade agrícola, defende.

“Gerir de forma racional os recursos naturais” está ao alcance do poder local, caso exista uma mudança de mentalidade. “As câmaras [municipais], técnicos, gestores e decisores deixaram de pensar em recursos naturais como sendo finitos”, avança a investigadora, “os decisores têm de perceber o que são recursos naturais e serviços de ecossistema”.

Para tal, é essencial ter nas câmaras municipais “técnicos, como os geógrafos, que fazem interligação entre componentes para haver uma gestão mais eficaz do território”, diz Maria José Roxo. Além disso, acrescenta, “tem de haver comunicação entre municípios”. “O território tem de ser pensado. Aquilo a que temos assistido no país é uma ausência total de se pensar o território”, conclui.