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Quando o planeta chama, todos temos de ouvir

Já vai longe a altura em que se pensava que as consequências daquilo que o ser humano produz, consome e desenvolve são suas e suas só. Com a impressão digital humana marcada nas grandes alterações que têm acontecido no clima, está na altura de parar de negar que temos todos de fazer algo.

Maio de 2020. Portugal estava sob confinamento, com uma situação de emergência pandémica em curso. A incerteza reinava, o medo tomava conta de cada decisão, de cada movimento, de cada pensamento. E a espécie humana, aquela que estava sob ataque, estava fechada em casa, à espera de se fazer sentido do tudo o que se passava.

Enquanto isso, cá fora, o mundo continuava a girar e, mais importante que tudo, a Natureza seguia o seu caminho. Foi precisamente nesse mês que Lisboa começou a receber alguns visitantes que, ainda que fossem aparecendo, já não o faziam com tanta frequência. Os golfinhos voltaram ao Tejo em bando, mais do que uma vez por dia. Pequenos, grandes, em família, encontraram, segundo os especialistas, um rio sem o barulho produzido pelos motores dos barcos, a confusão dos humanos, mais alimento e uma água com mais qualidade.

Esta foi, no entanto, apenas uma das consequências para o ambiente. A nível global foram vários os ecossistemas que regressaram a uma “normalidade temporária”, com as águas dos canais da cidade de Veneza a ficarem de novo límpidos e com peixes. Fatores como a qualidade do ar, o consumo de energia e as emissões de gases de efeito estufa também sofreram melhorias.

Segundo contas da Zero, a poluição industrial caiu 28% em 2020, fruto da “diminuição do uso do carvão na produção de eletricidade e a redução da atividade económica associada à pandemia. As Estatísticas do Ambiente do Instituto Nacional de Estatística apontam para uma redução de cerca de 9% nas emissões de gases de efeito estufa para esse ano, face ao anterior.

No entanto, este cenário de melhoria foi sol de pouca dura. Se se achava que a pandemia ia trazer diversas mudanças estruturais ao mundo e à forma como as pessoas, os governos e as empresas se organizavam, estas foram menores do que o que se esperava. A poluição voltou a níveis registados antes da pandemia no meio do ano passado.

“Os próprios poderes políticos farão melhor se os cidadãos o exigirem”

A imagem pintada com os dados e os exemplos acima serve apenas para retirar uma conclusão. As alterações climáticas que experienciamos e que culminam nesta emergência climática global têm a impressão digital do ser humano, das atividades industriais à agricultura, passando, claro, pela mobilidade e pelos padrões de consumo.

Uma ação concertada e estrutural

Assim, a necessidade de ação conjunta é mais do que clara, sendo necessárias mais do que pequenas medidas individuais. É verdade que essas também têm uma grande influência, mas são as estruturais, aquelas que mudam rota dos acontecimentos de forma nuclear. Sobre este tema, João Joanaz de Melo, professor de Engenharia do Ambiente da Universidade Nova de Lisboa é claro: “Há ações, nomeadamente a necessidade de transição energética, que se tornaram evidentes na sua necessidade e urgência. Mas, por outro lado, há uma lentidão muito grande em mudar as coisas de forma estrutural.”

Se é verdade que a responsabilidade de todos, sem exceção, de fazer mais e melhor pela proteção do ambiente, o papel dos órgãos de poder, especialmente daqueles que são eleitos democraticamente pelas populações, reveste-se de outra importância. A Constituição da República Portuguesa estabelece como direito universal o acesso “a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado” e, ao mesmo tempo “o dever de o defender”. Medidas e ferramentas como “prevenir e controlar a poluição”, “ordenar e promover o ordenamento do território”, “promover o aproveitamento racional dos recursos naturais” e “promover a educação ambiental” estão definidas nos documentos e são incumbidos ao Estado.

“Acelerar a forte aposta no potencial renovável nacional (…) Representará um motor de crescimento económico deste setor e do país”

O que falta para isso acontecer? Para o especialista, “espaço no debate público”, algo que se foi dissipando já na pandemia, com os assuntos do clima a ficarem para segundo plano, e que agora perdeu ainda mais com a invasão russa à Ucrânia. “O problema é que o Governo, em particular, desperdiçou demasiadas energias a tapar buracos.”

A responsabilidade civil do poder local

Está nas mãos de todos, assim, a corresponsabilidade de avançar, de fazer melhor. “Somos todos cidadãos mais ou menos conscientes, somos todos consumidores, eleitores e contribuintes. Portanto, temos todos um interesse na maneira como o dinheiro público é gasto e alguma margem de manobra para, na nossa esfera de influência, fazermos alguma coisa”, aponta João Joanaz de Melo. “Os próprios poderes políticos farão melhor se os cidadãos o exigirem.”

Para além do poder central, sabemos que tudo isto tem de ser uma preocupação do poder local. Como afirma a Quercus no documento Memorando para o Poder Local, “para além de refletirem na ação local as políticas públicas de âmbito nacional e internacional, as autarquias locais têm autonomia e capacidade de liderar nos processos de mudança”.

Na prática, é fácil perceber como é que isto acontece: se são as Câmaras Municipais e as Juntas de Freguesia os órgãos de poder que estão mais perto das populações, percebendo as suas necessidades, “Os municípios são os grandes promotores de medidas de defesa do meio ambiente, sendo também, no âmbito das suas atribuições e competências, entidades com uma relevante tarefa no âmbito da fiscalização e do desenvolvimento do processo contraordenacional que é também da competência dos municípios”, afirma o investigador Fausto Ferreira no âmbito do tema “O Poder Local e a Gestão Ambiental”.

Promoção, fiscalização e contraordenação. Três processos claros que estão do lado das autarquias e que estas têm feito, dentro dos moldes possíveis. Na perspetiva de Carla Sofia Pacheco, dinamizadora dos projetos e atividades de educação ambiental para a sustentabilidade do GEOTA, “existe alguma heterogeneidade a nível nacional na dinâmica dos municípios relativamente à implementação de estratégias e planos efetivos que visem consciencializar, envolver e mobilizar as comunidades nas temáticas ambientais”. Enquanto isto acontecer, é difícil que se possa pensar num país totalmente sustentável, em população a quem estão a ser assegurados os seus direitos.

“A transição para um modelo de economia circular (…) Assegura o crescimento económico sustentado”

Mais do que um desafio, uma oportunidade

Na visão dos especialistas, falta ainda que esta questão ambiental não seja apenas vista como um conjunto de medidas que vem de cima – seja da União Europeia ou do poder central –, mas sim como um gatilho para mudanças significativas em direção a um futuro com mais oportunidades para todos. São vários os estudos que apontam para que o desenvolvimento de um modelo económico que tenha a sustentabilidade como guia significará economias mais fortes e resilientes.

Olhando para o caso da energia, por exemplo, à primeira vista é possível pensar que a transição energética necessária para um planeta mais sustentável e impulsionada pela crise energética que vivemos, é um desafio penoso e que traz apenas gastos. No entanto, e como explica Mariana Figueiredo, da Future Energy Leaders Portugal, todas estas transformações tornam-se também a oportunidade perfeita para “acelerar a forte aposta no potencial renovável nacional, que, por sua vez, representará um motor de crescimento económico deste setor e do país”.

No entanto, e como vamos perceber nas próximas páginas, as oportunidades estão em todo o lado, da mobilidade à gestão dos resíduos, passando, claro, pelos novos setores de atividade impulsionados pela inovação e tecnologia sustentáveis. O conceito de economia circular é, por si só, uma oportunidade que se dá ao mundo e aos recursos. “A transição para um modelo de economia circular que contribua para a minimização da extração dos recursos naturais, para reciclagem dos materiais e dos recursos e para a reutilização dos materiais, assegura o crescimento económico sustentado”, explica Cristina Abreu, bióloga e especialista em assuntos ambientais.

Assim, esta assume-se como uma missão urgente e de todos, sem exceção. O planeta já está a lançar sinais de alerta há muito tempo, chegou a altura de os ouvir e de avançar para essa ação concertada e estrutural, que é uma responsabilidade civil de todos e nos traz mais oportunidades do que desafios. O futuro escreve-se a partir de agora.